quinta-feira, 6 de março de 2008

LUTADOR “EXPERIENTE”

Irei narrar aqui um caso cômico que ocorreu comigo em uma aula de Karate. Sim, eu disse Karate. Pratico essa arte marcial já há algum tempo. Talvez eu não deva começar do caso cômico em si, mas de como me envolvi com passatempo tão “incomum”.

Voltando ao passado: Artes marciais?

Para desgosto do meu pai, nunca fui bom em futebol. Na verdade, eu até era mediano – sabia passar a bola direitinho, fazia uns cruzamentos bons, era um ótimo zagueiro e tinha uma “patada” bem forte para as cobranças de falta. Eu tinha algo que poucos meninos do colégio tinham na minha idade, que era visão estratégica. Enquanto todos queriam pegar a bola e sair driblando meio time adversário sozinhos para depois marcar um gol triunfal, eu simplesmente procurava o jogador mais bem colocado e mandava a bola para ele, numa boa posição. Mas apesar de tantas qualidades, eu era péssimo para driblar. Também não sabia fazer nenhuma “firula”, como embaixadinhas ou gols de bicicleta. Somando isso ao fato de que eu sempre fui o aluno com melhores notas nas escolas onde estudava, era gordinho e usava óculos, o resultado era que eu sempre acabava como o último a ser escolhido para fazer parte de algum time.

Esse foi possivelmente o maior desgosto que meu pai teve comigo na vida, excetuando-se a decisão de entrar na faculdade de filosofia. Para um botafoguense roxo que jogava futebol todos os finais-de-semana desde a mais tenra juventude, com quatro filhos, sendo três deles homens, era inadmissível ter um filho perna-de-pau. O mais velho já tinha se safado de qualquer cobrança seguindo a mesma profissão do nosso pai e torcendo para o mesmo time. O do meio ficou a perigo quando se declarou corintiano, mas se safou sendo o mais inteligente da família e adquirindo uma situação financeira confortável, suficiente para sair de casa e sustentar uma esposa e duas filhas. Mas eu ainda morava com o velho, era novo demais para trabalhar na época, jogava mal, e para agravar, era flamenguista. Um herege. Devo ter sido trocado na maternidade.

Como se não fosse suficiente a soma de todas essas “qualidades”, eu não dava a mínima para futebol. Achava meio inútil – eram 22 marmanjos correndo atrás de uma bola e, quando conseguiam chegar perto dela, a chutavam para mais longe ainda. Eu achava legal enquanto jogava, era divertido correr de um lado pro outro, chutar a bola, coisa e tal. Mas ficar olhando os jogos, acompanhando tabelas, lembrando qual foi o placar e a escalação de cada time em uma partida “histórica” que aconteceu quando eu nem era nascido... Isso tudo pra mim era um saco. E também não conseguia ver nenhuma função para isso tudo. Se um nadador profissional vê alguém se afogando, ele pula na água e salva a pessoa. Se um praticante de judô vê uma briga, ele imobiliza um dos agressores. Se um jogador de futebol vê uma criança caindo de uma janela... ele controla, faz duas embaixadas, levanta, dá um chute em “bicicleta”, depois tira a camisa e corre pro abraço?

Para piorar, eu adorava artes marciais. Pelo menos o que eu conhecia delas através da televisão. O que não era exatamente uma boa coisa, já que na minha época isso se limitava a desenhos animados ou séries com atores de segunda vestindo roupas ridículas e guerreando com monstros gigantes, o que não correspondia nem um pouco à realidade. Mas para uma criança aquilo era o máximo. Eu imitava os movimentos deles na frente da TV, e me divertia. Meu pai obviamente achava aquilo “muito esquisito” e me matriculou na escolinha de futebol. Sorte a minha que o “professor” passou a perna em todo mundo e fugiu com o dinheiro após as primeiras aulas.

Na adolescência não foi muito diferente. Eu descobri que meus professores de educação física não davam a mínima para as aulas, apenas registravam a presença e depois inventavam uma nota qualquer para os alunos. Então eu passava as aulas fazendo coisas mais interessantes. Houve uma fase em que eu me limitei a observar as partidas, sem jogar. Em outra eu joguei muito pôquer a dinheiro, acumulando até o que seria considerado uma “pequena fortuna” para um garoto daquela idade (que foi completamente gasta com coisas inúteis). Um pouco mais tarde eu fiquei “esperto” e passei a usar este tempo livre tocando violão próximo à quadra das meninas, na esperança de que alguma delas se interessasse. Infelizmente eu tocava muito mal na época, e acabava surtindo o efeito contrário. Claro que eu também era tapado demais para perceber que não estava agradando, mas isso é outra conversa.

Quando atingi a maioridade já tinha parado de me preocupar com a prática esportiva em geral. Tirando corridas regulares na praia e eventuais partidas de basquete, era completamente desligado em relação ao assunto. Até que um amigo que estava procurando uma atividade física me chamou para assistir uma aula de artes marciais com ele. Ele queria começar a praticar uma, e precisava de companhia para visitar as academias.

O primeiro professor

Fomos parar em uma academia próxima, em uma aula de Kung Fu. Eu nem sabia direito o que era isso, apenas que era chinês. Aula lotada, devia ter uns 30 alunos. A maioria era jovem, a média de idade devia ser de uns 16 anos (estávamos com 18 ou 19 na época, não me lembro).

O professor era um senhor de cabelos brancos na casa dos quarenta, forte e muito ágil. Bastante carismático também – seu jeito de falar, de andar, seus gestos de uma maneira geral inspiravam "confiança”. A arte era complicada, cheia de detalhes. Completamente impossível praticar aquele troço, movimentos muito complexos. Fizemos três aulas. Ao término da terceira (para a qual já havíamos convidado um outro colega nosso), o professor se aproximou e nos convenceu a praticar uma outra arte que ele conhecia, que era mais adaptada aos nossos “talentos”. Ele estava abrindo uma turma agora, e seríamos os primeiros alunos.

Nós três (o amigo que começou com essa idéia, o outro amigo que chamamos e eu) descemos as escadas e encontramos uma enorme sala com um tatame azul cobrindo o piso. Lá havia um outro sujeito, alto e forte, um pouco mais velho que nós, usando um kimono branco e uma faixa preta na cintura. Seria nosso instrutor, uma espécie de “segundo-em-comando”, além do mestre.

Já começou a bagunça por aí. A tal arte era japonesa, ao contrário da aula que estávamos assistindo antes, que era chinesa. O mestre foi ao banheiro se trocar e colocou um kimono escuro e um hakama. Para quem não sabe, um “hakama” é uma calça absurdamente larga, parecendo uma saia, que samurais usavam. Era uma arte de samurais. Fantástico, aprenderíamos a lutar como os guerreiros mais temidos do oriente. O problema é que de autêntico esse troço não tinha nada. O professor era um tremendo picareta. O tal mestre se dizia “formado” em oito artes marciais diferentes. Essa arte de samurais era uma delas, ele dizia ter aprendido com um imigrante japonês muito velho que morreu “pouco antes” de dar a ele o devido certificado de que havia concluído o treinamento. O rapaz que seria nosso “instrutor” nem praticava esse negócio – se dizia faixa preta em karate, mas não sabia dizer o nome do estilo que aprendeu (existem mais de vinte). Estava com esse mestre há poucos meses. No entanto, isso tudo nós só viríamos a saber com o tempo, quando começaram a se avolumar os "causos" contraditórios do mestre – que afirmava já ter sido do exército, dos bombeiros, ter treinado com monges chineses e ninjas japoneses, e ser capaz de “deslocar a consciência” para visitar lugares distantes com a mente. Mesmo assim ainda fiquei três anos praticando, porque embora fosse completamente furada a história do negócio, o professor sabia lutar muito bem e eu estava aprendendo algumas coisas úteis. Isso quando ele aparecia para dar aula. Ou quando não trocava de academia/casa, já que cada vez que ele se separava de uma nova esposa, a ex-mulher levava metade das posses do camarada e perdíamos o nosso local de treino. De qualquer forma, meu colega treina com ele até hoje. Quando ele aparece para dar aula.

Depois disso fiquei mais ou menos um ano praticando Kung Fu (sim, aquela arte que eu achava complicada demais) tendo um dos alunos desse meu antigo mestre como professor. Ele já praticava há anos, e dava mais aulas que o próprio mestre. Fiz um acordo com ele para que me ensinasse apenas os movimentos mais “secos”, sem firulas que me confundissem a cabeça. Acabei aprendendo bastante coisa e me tornando um dos lutadores mais “temidos” do bairro (boa parte dessa fama veio de gente que nunca me viu lutando, mas enfim...), o que me valeu o apelido de “maldito samurai”. E o melhor, eu treinava de graça devido à minha amizade com o professor, que era meu parceiro em rodas-de-viola e partidas de sinuca.

Após este período fiquei algum tempo sem praticar nada. Em um dia qualquer de crise existencial decidi reiniciar minha jornada nas artes marciais e me matriculei em uma academia de Karate. Uma academia SÉRIA, registrada nos órgãos competentes, com professores federados, diplomas reconhecidos e tudo o mais.

Finalmente, o "causo"

E foi em uma dessas aulas que aconteceu o meu caso cômico, ao qual me referi no início do texto (se isso aqui fosse vestibular, eu estaria reprovado por fuga ao tema!). Estava lá, pronto para a aula, e eis que chega uma menina interessante que nunca havia visto antes. Loira, novinha (pensei que devia ter uns dezessete para dezoito anos), com cara e jeito de menina quieta (gosto disso). Como ainda estou nos meus vinte-e-poucos e não estava fazendo nada mesmo, pensei: "está na faixa".

Uma vez que ela chegou atrasada eu a ajudei a se alongar, bati um papo, comecei a puxar assunto... O “procedimento-padrão” que todo homem interessado em uma garota conhece. Então começou o treino.

Tudo transcorria normalmente, e toda vez em que eu tinha a chance (nas raras vezes em que o sensei – ou seja, o professor – me colocava para praticar com ela), começava a bater um papo com a garota. Ela era faixa branca, o “nível mais baixo” na “hierarquia” da arte – e era a única da turma neste dia.

Chegou a hora dos kata. Um “kata” é uma rotina de treino com movimentos pré-estabelecidos, como se fosse uma “luta” contra oponentes imaginários. Fizemos o mais básico deles e em seguida, de acordo com a hierarquia, o mestre pediu para que os faixas-brancas sentassem (só tinha ela mesmo) e prosseguiu com os demais alunos fazendo outros kata.

Chegou uma hora em que só haviam mais dois alunos e eu fazendo a rotina, e eu notei que ela ficava rindo. Acabamos, o professor nos pediu para ficarmos sentados enquanto fazia outro treino com os alunos mais graduados que nós. Eu me sentei ao lado dela, e ela puxou assunto:

- "Você não se importa se eu ficar rindo enquanto vocês praticam não, né?"

- "Depende do motivo do riso"

- "É que eu acho engraçado vocês que são velhos fazendo esse tipo de coisa"

Apesar desse duro golpe, um bom guerreiro não desiste nunca! Decidi perguntar quantos anos de idade ela achava que eu tinha. Conversa vai, conversa vem, ela me pergunta outra coisa pra mudar de assunto, eu respondo que perguntei primeiro... Então ela fala: “uns trinta”.

Segundo soco no estômago. Era melhor parar. Eu fiquei com uma tremenda cara de "putz...”, mas ainda assim tentei sair dessa. Brinquei, falei que devia estar acabado por causa do treino exaustivo, dei mais uma enrolada... Então ela me disse que chutou esse número pelas coisas que eu havia dito (que já era formado, fazia outra graduação, e demais detalhes da minha vida que ela captou com a conversa, ou melhor, com a minha tentativa de me exibir).

Eu falei minha idade, ela não acreditou, fez um monte de outras perguntas... e o papo continuou a fluir. Pensei que tinha revertido a situação. Foi então que decidi perguntar a idade dela. Achava que tinha uns dezessete, no mínimo dezesseis.

Ela respondeu: “treze”.

- “COMO????”

- “Treze”.

Eu já estava rindo de mim mesmo a essa altura, mas a conversa continuava. E ela continuava fazendo perguntas sobre a minha vida. Quando ela terminou o interrogatório e já sabia um bocado a meu respeito, coroou a minha noite com a seguinte frase:

- "Você tem mais experiência de vida do que meu pai".

K.O. Nocaute.

Até hoje não descobri se a intenção era de que fosse um elogio ou se ela estava tirando uma com a minha cara.