sábado, 22 de março de 2008

DESLIGADO DO REINO DOS CÉUS?

Um certo dia, enquanto estávamos todos reunidos no centro acadêmico discutindo assuntos eminentemente filosóficos (como qual era a natureza da relação de Aristóteles com seu mentor, Platão – se é que me entendem...), Manoel Mineiro aparece com uma carta em mãos, e com um sorriso “amarelo” no rosto. Perguntei o que era, e ele me explicou que havia acabado de receber uma carta de sua antiga igreja (ele já foi batista), sendo “desligado” dela. Mas o problema não era exatamente seu “desligamento”, já que ele não compartilhava mais daquela crença e não freqüentava a igreja há três anos. O problema era a própria carta. Ele a mostrou para mim e a li em voz alta, para todos os presentes:

Prezado irmão Manoel Pirro Gecconhoto De Minas Gerais,

Estamos comunicando ao irmão, através desta, que em assembléia ordinária realizada em 16 de julho do corrente, esta Igreja votou desligar o seu nome do rol de membros, por motivo de seu afastamento.

Independente da razão que o tenha levado a afastar-se das atividades da Igreja, asseguramos-lhe que amamos o irmão, sentimos sua falta e que as portas estão abertas para que o irmão volte a integrar novamente o corpo de Cristo. Teremos alegria em recebê-lo de volta a nosso convívio, quando desejar e gostaríamos que o irmão considerasse seriamente esta possibilidade, visto que a Palavra de deus afirma em Mateus 16:19 "...e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus".

Estamos a seu dispor a qualquer hora para auxiliá-lo em seu retorno ao Senhor.

No amor de Cristo,

Pastor XXXXXX XXXXXX XXXXXX
(Omito o nome aqui para preservá-lo).

A gargalhada foi geral. Manoel Mineiro não só havia sido “desligado” da igreja, como do próprio reino dos céus! O pastor o enviou para o inferno com um beijinho na testa, e esperava que isso funcionasse como algum tipo de chantagem para que ele voltasse arrependido implorando perdão.

Neste dia haviam pelo menos quinze pessoas reunidas no minúsculo centro acadêmico, e todas ficaram boquiabertas ao mesmo tempo em que não conseguiam conter o riso. Dois dos mais “folgados” saíram do recinto e começaram a circular pelos corredores gritando: “O mineiro foi desligado do céu! O mineiro foi desligado do céu!”, enquanto os outros se limitavam a tentar entender como raios um pastor, que supostamente deveria ser uma autoridade religiosa (e portanto minimamente inteligente), podia assinar um documento daqueles.

Mas para o azar do pastor, naquele dia estava presente o Coroinha. “Coroinha” era o apelido de um amigo nosso, um baixinho supostamente quieto mas com uma tremenda cara de malandro, que ganhou esta alcunha por utilizar a frase “sou cristão” antes de iniciar qualquer argumentação sobre qualquer tema. Ele era de fato cristão, mas não seguia a nenhuma igreja conhecida – dizia que seguia o “cristianismo primitivo”, e que todas as igrejas que vemos por aí são distorções e formas corrompidas do cristianismo original. A forma pessoal de cristianismo que ele tinha não o impedia de ter um comportamento completamente libertino e boêmio, embora ele tentasse parecer um sujeito quieto a maior parte do tempo. Mas no caso do pastor que expulsou Manoel Mineiro dos céus, ele simplesmente não podia deixar passar. Ele PRECISAVA usar isso como um protesto.

Coroinha pegou a carta e tirou uma cópia, e começou a circular pelos corredores da faculdade com a carta e uma folha de papel. Ele explicava a todos o que tinha ocorrido e pedia o nome deles, que seria usado para “protestar” contra a atitude do pastor. Em menos de uma hora já havia recolhido cerca de cinqüenta assinaturas.

E foi então que seu “protesto” foi realizado. Ele voltou para o centro acadêmico e, se utilizando do telefone da igreja que estava impresso no papel timbrado da carta, ligou para lá. Ainda fez questão de colocar no viva-voz para que todos nós ouvíssemos o diálogo. Uma espécie de secretária atendeu.

Secretária: Boa noite, em que posso ajudar?

Coroinha: Boa noite, eu gostaria de uma informação.

Secretária: Sim, pode falar.

Coroinha (já segurando o riso): Um amigo meu, ex-membro da sua igreja, acabou de receber uma carta dizendo que ele foi desligado da mesma e, conseqüentemente, segundo Mateus 16:19, foi desligado do reino dos céus também.

Secretária (interrompendo): Como é o nome do seu amigo?

Coroinha (já vermelho e praticamente incapaz de conter o riso): Ele prefere permanecer no anonimato. O que eu gostaria de saber é se a sua igreja presta este tipo de serviço para terceiros, porque eu tenho uma lista aqui com cerca de cinqüenta nomes de pessoas que gostariam de ser desligadas do céu...

Secretária (abismada): COMO?

Coroinha (já falando com dificuldade devido à vontade de rir): É, eu gostaria de saber como vocês prestam esse serviço, se há alguma taxa, se vocês emitem certificado...

Secretária: O senhor se acha muito engraçadinho, não é?

Neste momento Coroinha não agüentou e desligou o telefone, soltando uma imensa gargalhada – assim como nós, os espectadores, que já estávamos passando mal por tentar conter o riso.

Não satisfeito, o Coroinha procurou um computador na universidade e redigiu uma CARTA, pedindo à igreja o desligamento do reino dos céus para todas as pessoas que haviam assinado a sua lista. A carta dizia que os certificados poderiam ser enviados ao centro acadêmico do curso de filosofia na universidade federal, e Vico fez questão de carimbá-la dando o aval do centro acadêmico. Segundo o raciocínio de Vico, depois nós poderíamos enviar um pedido de mesmo teor para a igreja satanista a fim de que fôssemos desligados do inferno. Com isso viveríamos para sempre, já que o papa (dos católicos romanos) extinguiu o limbo.

A carta foi endereçada ao pastor e enviada por fax para a igreja. Uma segunda cópia, digital, foi enviada diretamente para o e-mail do pastor.

Até hoje não obtivemos resposta. O pastor (e/ou a igreja em questão) nunca entrou em contato conosco ou nos enviou nossos certificados.

Manoel Mineiro continua desligado dos céus até hoje.